A estabilidade do tratamentocompensatório da mordidaaberta anterior no pacienteadulto

capas-estabilidade

The long-term of camouflage treatment of anterior open bite in adult patient

Fabrício Pinelli Valarelli¹
Andréia Regina Boff Lemos²
Claúdia Cristina da Silva³
Juliana Volpato Curi Paccini⁴
Danilo Pinelli Valarelli⁵

¹ Mestre e Doutor em Ortodontia – FOB – SP; Prof. do Curso de Mestrado em
Ortodontia – Faculdade Ingá – Maringá – PR.
² Especialista em Ortodontia – SOEP – Faculdade CIODONTO – RO.
³ Especialista em Ortodontia – Faculdade UNINGÁ – SP.
⁴ Especialista em Ortodontia – UNESP – Araçatuba – SP; Mestre em Ortodontia –
UNICID – SP.
⁵ Mestre e Doutor em Ortodontia – FOB; Coord. do Curso de Especialização
em Ortodontia ICOS – Faculdade CIODONTO – SC

Endereço do autor: fabriciovalarelli@uol.com.br
Recebido para publicação: 31/07/2012
Aprovado para publicação: 19/12/2012

Resumo

Na Ortodontia contemporânea é muito comum o ortodontista realizar tratamentos compensatórios, nos quais há necessidade de utilizar uma mecânica eficiente para a correção da má oclusão do paciente. O objetivo deste trabalho é descrever um caso clínico de uma paciente adulta, com má oclusão de Classe II bilateral e mordida aberta anterior que foi tratada ortodonticamente com extrações dentárias. A realização das extrações dentárias possibilitou uma retrusão e verticalização dos incisivos superiores e inferiores com grande estabilidade dos resultados após o final do tratamento. A retração
dos incisivos superiores e inferiores resultou na diminuição da convexidade do perfil tegumentar promovendo maior harmonia facial.

Descritores: Mordida aberta, má oclusão, terapêutica.

Abstract

In current Orthodontics is very common to carry out compensatory treatments, where there is need to use a efficient orthodontic mechanics for the correction of the patient malocclusion. The aim of this paper is to describe a clinical case of an adult patient with bilateral Class II malocclusion and anterior open bite that was treated orthodontically with extractions. The dental extractions provided a retraction and uprighting of the upper and lower incisors with great stability of the results after the end of treatment. The retraction of upper and lower incisors resulted in a decrease in soft tissue profile convexity
promoting greater facial harmony.

Descriptors: Open bite, malocclusion, therapeutics.

Introdução e revisão de literatura

A mordida aberta anterior (MAA) é definida como ausência de trespasse vertical positivo entre os dentes anteriores superiores e inferiores¹⁻ ¹⁷⁻ ²⁰. O tratamento desta má oclusão em pacientes adultos é um grande desafio para os
ortodontistas, pois as dificuldades não se resumem a corrigir os problemas funcionais, mas também em estabelecer uma
estética facial satisfatória propiciando estabilidade dos resultados⁹⁻ ¹³.

A mordida aberta anterior pode ser classificada em esquelética ou dentária¹⁻ ¹⁸. Na fase adulta, a correção da mordida aberta esquelética se torna ainda mais difícil, pois na maioria dos casos, a correção desta má oclusão está associada ao tratamento orto-cirúrgico. Entretanto, ocorre recusa de grande parte dos pacientes quando o assunto é a cirurgia, seja por motivos financeiros, e/ou psicológicos¹⁵. Esta recusa faz com que muitos ortodontistas busquem tratamentos mais conservadores e compensatórios para tratar esta má oclusão.

O tratamento compensatório está indicado nos casos em que a magnitude da mordida aberta anterior é de suave a moderada⁴, visto que a correção das grandes discrepâncias só seria possível por meio de tratamento orto-cirúrgico.
As extrações dentárias são importantes aliadas no tratamento compensatório da mordida aberta anterior⁵, e estão indicadas para pacientes com perfil facial convexo. Normalmente, os dentes que são eleitos para extração, são os pré-molares e molares⁷⁻ ¹⁴⁻ ¹⁶. No tratamento com extrações, utiliza-se o princípio de “drawbridge” (ponte levadiça), onde a retração dos dentes anteriores favorece o fechamento da mordida aberta havendo verticalização dos incisivos superiores e inferiores, com uma menor extrusão dos mesmos, se comparado ao fechamento da mordida aberta anterior sem extração⁸⁻ ¹¹.

Este trabalho visa apresentar um caso de uma paciente com má oclusão de Classe II bilateral, perda dentária inferior do lado esquerdo e mordida aberta anterior esquelética, onde foi realizado o tratamento ortodôntico compensatório
por meio de extrações dentárias.

Relato de caso

Paciente R.V., 36 anos e 2 meses, procurou a clínica ortodôntica com a queixa de má oclusão de mordida aberta
anterior e alterações na fala. Na análise facial, constatou-se que a paciente apresentava perfil convexo, biprotrusão dentoalveolar, aumento do terço inferior da face e selamento labial forçado com hipertrofia do músculo mental (Figuras
1A-C).

No exame clínico intrabucal, a paciente apresentava uma Classe II bilateral, sendo da seguinte severidade: do lado direito ½ Classe II e do lado esquerdo Classe II completa²². A linha média inferior apresentava desvio para a direita de 2mm, e uma mordida aberta anterior de 5 mm, com interposição lingual durante a deglutição e a fala. Os incisivos superiores e inferiores encontravam-se protruídos e vestibularizados. Os dentes apresentavam-se íntegros quanto ao tamanho, forma e estrutura (Figuras 2A-E).

Nas radiografias realizadas ao início do tratamento foi observada a presença de diastemas no hemiarco inferior esquerdo, originados pela ausência do primeiro molar (36). Pode-se notar ainda a ausência do dentes 18 (terceiro molar superior direito), 28 (terceiro molar superior esquerdo) e 48 (terceiro molar inferior direito), cujo a paciente relatou que havia sido realizada as extrações devidas. Não foi notada nenhuma alteração significante nas estruturas adjacentes aos
dentes (Figuras 3 e 4).

Figura 1 (A-C) – Fotografias extrabucais ao início do tratamento.

Figura 2 (A-E) – Fotografias intrabucais ao inicio do tratamento.

Diante do diagnóstico realizado por meio dos exames clínicos e radiográficos e considerando-se as características da má oclusão, o plano de tratamento escolhido para resolver os problemas apresentados foi extração dos segundos pré-molares superiores (15 e 25) e segundo pré-molar inferior direito (45). Optou-se pelos segundos pré-molares devido ao menor tamanho mesiodistal das coroas e a quantidade de restaurações neles encontrada.

Foram posicionados bráquetes da prescrição Roth 0,022” X 0,028”. Para auxiliar no fechamento da mordida aberta, a
colagem foi realizada ligeiramente mais para a cervical do dente, no sentido vertical, em relação ao centro da coroa, de
canino a canino superior e inferior. Esse procedimento levou a uma extrusão dos dentes nesta região durante a fase de alinhamento e nivelamento10. Essa fase foi realizada com a seguinte sequência de fios: 0,014” (NITI), 0,016” (NITI), 0,018” (AÇO) e 0,020” (AÇO). A retração anterior foi realizada com arcos retangulares de aço 0,019”X0,025”, utilizando elástico em cadeia concomitante ao uso de elástico de Classe II bilateral (3/16” de força média), partindo do princípio de
“drawbrigde” (ponte levadiça), onde a própria retração anterior, superior e inferior, sendo realizadas simultaneamente,
favorece o fechamento da mordida aberta pela verticalização dos dentes nessa região8,11 (Figuras 5A-E).

Na fase final de fechamento dos espaços das extrações, realizou-se o desgaste interproximal na região anteroinferior,
com a finalidade de regularizar a discrepância entre os tamanhos mesiodistais dos dentes superiores e inferiores. Nessa
fase, continuou-se com a utilização dos elásticos de Classe II para a correção da discrepância anteroposterior entre os R caninos superiores e inferiores (Figuras 6A-E).

Após remoção do aparelho ortodôntico, foi instalado na paciente uma placa de Hawley superior com orifício na papila
incisiva e contenção 3X3 inferior. Este tipo de contenção superior auxilia na melhora do posicionamento lingual, sendo um
elemento recordatório importante para reposicionar a língua.

Após esse procedimento, a paciente foi encaminhada para avaliação e tratamento fonoaudiológico (Figuras 7A-K).
Na panorâmica final, observa-se o fechamento dos espaços das extrações, enquanto na telerradiografia em norma lateral pode-se perceber a verticalização dos incisivos superiores e inferiores causados pelo movimento de “drawbridge” durante a fase de fechamento dos espaços das extrações (Figuras 8 e 9 e Tabela 1).

Verificou-se uma boa estabilidade após dois anos e cinco meses do final do tratamento (Figuras 10A a 10K).

Discussão

Em relação à estabilidade do tratamento, a mordida aberta anterior é uma má oclusão que traz muitas preocupações para o ortodontista. Normalmente, mordidas abertas anteriores esqueléticas em pacientes adultos são tratadas cirurgicamente com a finalidade de promover uma maior estabilidade9,12; ainda assim, até mesmo casos tratados orto-cirurgicamente têm chances de recidiva15.

Em pacientes que recusam a opção cirúrgica, sugere-se o tratamento compensatório, no qual o ortodontista busca um fechamento da mordida aberta anterior utilizando, desde o princípio, uma mecânica que favoreça restabelecer um
trespasse vertical anterior adequado.

A extração dentária em pacientes com um plano mandibular inclinado é amplamente divulgada como tratamento compensatório para a mordida aberta anterior. Os principais objetivos das extrações de pré-molares são a mesialização
dos dentes posteriores, permitindo a rotação anti-horária da mandíbula, e a retração dos dentes anteriores, visando a
verticalização dos incisivos causada pela retração da bateria anterior2,21.

Para melhor visualização das alterações ocorridas nos períodos de tratamento e pós-tratamento deste trabalho, realizou-se a sobreposição dos traçados cefalométricos nesses intervalos de tempo (Figuras 11 e 12).

Neste tratamento, optou-se por uma mecânica com extrações de pré-molares e uso de elásticos de Classe II, pois
além de corrigir a protrusão dos incisivos, verificou-se que as extrações são métodos eficazes que ajudam a promover
o fechamento da mordida aberta anterior aumentando a estabilidade do tratamento em longo prazo8. Neste trabalho,
observou-se que não houve alterações significativas em relação aos componentes esqueléticos da maxila e mandíbula
em todas as fases descritas. O componente vertical sofreu pequena redução, ou seja, a mandíbula apresentou uma pequena giroversão no sentido anti-horário, o que favoreceu o fechamento da mordida aberta na região anterior13,16 (Figura
11).

No tratamento da paciente em questão, constatou-se que ao final do mesmo, as maiores mudanças foram dos componentes dentários, o que já era esperado, visto que a mesma se apresentava na fase adulta e foi tratada apenas ortodonticamente. Em relação aos componentes dentários, observa-se que houve grande retração e verticalização dos incisivos superiores e inferiores, sem grande movimento de extrusão desses dentes (Figura 11). Esse movimento está associado ao princípio de “drawbridge” ou “ponte levadiça” que já foi descrito anteriormente como grande atuante no tratamento e estabilidade dos casos de mordida aberta anterior tratados com extrações dentárias8,11. No período após o tratamento ortodôntico foram observadas pequenas alterações dessas variáveis, mostrando a tendência cefalométrica dos dentes em retornarem às posições originais, entretanto, sem resultados clínicos significantes (Figura 12).

Nos tratamentos ortodônticos que envolvem extrações dentárias, o ortodontista deve analisar previamente as características do perfil antes da realização da conduta. O fechamento dos espaços das extrações pode promover uma retração dos lábios superiores e inferiores do paciente e consequente achatamento do perfil, sendo assim, geralmente recomenda-se para pacientes com protrusão de dentes anteriores ou apinhamentos de moderados a severos6,19. Neste trabalho, as extrações dentárias propiciaram melhora na protrusão dos lábios da paciente e suavização da convexidade do perfil facial (Figura 11).

Após 2 anos e 5 meses do término do tratamento, verificava-se uma boa estabilidade do trespasse vertical positivo
conseguido durante o período de correção. No entanto, pequenos diastemas surgiram no arco inferior. Estavam localizados entre os dentes 46 e 44, local da extração do dente 45, e entre os dentes 33 e 34, onde havia diastema desde o início do tratamento. Essa recidiva aconteceu provavelmente pela rapidez com que foi removido o aparelho após o fechamento dos espaços, não havendo tempo para a remodelação óssea nesse local, além da pressão exercida pela língua nos dentes inferiores após o término do tratamento. Essa recidiva ocorreu no sentido anteroposterior e não afetou a estabilidade do trespasse vertical positivo na região anterior.

Conclusão

A realização das extrações dentárias possibilitou uma retrusão e verticalização dos incisivos superiores e inferiores com grande estabilidade dos resultados após o final do tratamento. A retração dos incisivos superiores e inferiores resultou na diminuição da convexidade do perfil tegumentar promovendo maior harmonia facial.

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